Eu podia tá matando, eu podia tá estuprando, eu podia tá latrocinando, mas eu estou escrevendo. E eu vou pedir cinco minutos da sua atenção.

Como todos sabem, a "Aliança por BH", chapa do Márcio Lacerda, está sendo deveras questionada. Não pela grande imprensa, que está completamente alinhada ao governador Aécio Neves por força de censura remunerada. Mas por nós, cidadãos/internautas, que não sabem de onde vem esse cara - e o pior, ninguém sabe para onde vai.

Bom, saber para onde vai, acho que dá pra saber. Pelo menos depois de ler o texto abaixo, publicado no Vermelho. O texto não é pequeno, mas vale lê-lo. Qualquer semelhança não é mera coincidência.



BH: candidatura de Lacerda faz lembrar dobradinha Maluf-Pitta

A disputa eleitoral pela prefeitura de Belo Horizonte vive uma situação em que um político desconhecido, sacado dos escaninhos da burocracia administrativa, lidera a corrida eleitoral graças ao apoio ostensivo de seus poderosos padrinhos políticos. Esta situação não é uma novidade no histórico das recentes eleições municipais. Em 1996, na capital paulista, um personagem semelhante disputou e ganhou a eleição graças ao apadrinhamento político e uma campanha milionária. O personagem era Celso Pitta e o padrinho político Paulo Maluf. O resultado deste arranjo foi trágico para os paulistanos e Pitta ficou marcado como um dos piores prefeitos que São Paulo já teve.

por Cláudio Gonzalez


O ano de 1996 vai ficar registrado na história das eleições municipais como o ano em que o marketing político conseguiu realmente ''eleger um poste''. O ''poste'', no caso, era o economista carioca Celso Pitta, então secretário de finanças da prefeitura de São Paulo, comandada por Paulo Maluf. Na época, Maluf gozava de grande popularidade. Graças a um ostensivo --e descobriu-se depois, oneroso e cercado de ilegalidades-- programa de grandes obras, seu governo era avaliado com um ótimo índice de aprovação entre mais de 50% dos paulistanos. Mas a reeleição não era permitida e Maluf não poderia ser candidato novamente.

Eis então que surge da cartola do marqueteiro Duda Mendonça a proposta de lançar o desconhecido Celso Pitta como candidato a prefeito pelo PPB (atual PP) --partido de Maluf-- em coligação com o PFL (atual DEM).

Celso Roberto Pitta do Nascimento, na época com 50 anos, era apenas mais um integrante do secretariado de Maluf. Por ser negro e economista com mestrado na universidade de Leeds (Inglaterra) e na de Harvard (EUA), ele concentrava o perfil do homem que ''estudou e venceu na vida''. Era o perfil que Duda Mendonça acreditava ser o ideal para dar continuidade à gestão de Maluf. A crença no cacife político do malufismo e no poder do marketing era tão grande que Duda Mendonça chegou a dizer que conseguiria ''eleger um poste'' e Maluf, por sua vez, botou tanta fé na estratégia que arriscou-se a ir para a TV e dizer: ''votem no Pitta, e se ele não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim''.

Assim como está ocorrendo atualmente em Belo Horizonte com a candidatura de Márcio Lacerda, Pitta também viu sua campanha deslanchar com o início da campanha eleitoral no rádio e na TV. Admiravelmente, com menos de quinze dias de veiculação das propagandas dos candidatos, conforme mostra a pesquisa realizada em 14 de agosto de 1996, Pitta já conquistava a liderança das intenções de voto com 28,6%, deixando para trás a ex-prefeita Luiza Erundina e o ex-prefeito Francisco Rossi, que haviam saído na frente da corrida, cada um angariando quase um terço das preferências dos eleitores.

O próprio Duda Mendonça reconhece que a eleição de Pitta foi possível, entre outros fatores, pelo fato do PT ter caído na armadilha de tentar atacar Pitta dizendo que ele era igual ao Maluf. Segundo Duda Mendonça, as pesquisas qualitativas mostravam que era justamente isso que o eleitorado buscava, um ''novo Maluf''. Assim, o PT acabou ajudando a reforçar a campanha de Pitta que, no segundo turno, venceu a eleição com 62,3% dos votos contra 37,7% da petista Luiza Erundina.

Mas a frase de Maluf sobre Pitta acabou sendo usada contra o próprio Maluf em todas as eleições seguintes que disputou. Motivo: Pitta não foi um bom prefeito. Pelo contrário: sua gestão ficou marcada como uma das piores administrações que São Paulo já teve.

O economista formado em Harvard revelou-se um péssimo administrador. Sua principal promessa de campanha, o Fura Fila (uma espécie de trem de superfície) só foi parcialmente finalizado dez anos depois, ao custo total de 1,2 bilhão de reais. Do ''fazedor de obras'' Paulo Maluf, Pitta herdou apenas a prática de mau uso do dinheiro público.

A administração Pitta foi cercada de denúncias de corrupção, entre elas a de que uma máfia de fiscais atuava na prefeitura com a cumplicidade do prefeito e da base governista de vereadores na Câmara Municipal. O escândalo acabou custando o mandato de Pitta, que foi afastado da prefeitura por ordem judicial. Depois Pitta entrou com recurso e recuperou o mandato. Ao terminar seu mandato, o ex-prefeito era réu em treze ações civis públicas, acusando-o de ilegalidades. O valor das denúncias somadas alcançou 3,8 bilhões de reais, equivalente a quase metade do orçamento do município na época. A dívida paulistana passou na sua gestão de 8,6 bilhões de reais em 1997 para 18,1 bilhões de reais. Sua popularidade foi a mais baixa já registrada por institutos de pesquisa: 83% dos paulistanos consideravam a sua gestão ruim ou péssima no fim de 2000. Tendo se candidatado a deputado federal nas eleições de 2002 e nas de 2006, não foi eleito.

Recentemente, Pitta voltou à berlinda após ser preso na Operação Satiagraha da Polícia Federal, junto com o banqueiro Daniel Dantas e o especulador Naji Nahas, sob a a cusação de participar de uma quadrilha que cometia crimes contra o sistema financeiro.


Lacerda: o mais rico
O leitor deve estar se perguntando: o que Márcio Lacerda tem a ver com isso? Como disse Marx, a história pode se repetir duas vezes: na primeira vez em forma de tragédia e na segunda como farsa.

A candidatura de Márcio Lacerda guarda muitas semelhanças com a de Pitta. Além de contar com uma campanha milionária, com os mais modernos truques do marketing eleitoral, Lacerda também foi ungido candidato por padrinhos políticos. Só que desta vez, não foi apenas o prefeito de plantão (o petista Fernando Pimentel) quem deu aval para a candidatura, mas também o governador tucano Aécio Neves. Pimentel e Aécio trocaram juras de apoio para 2010 em troca do certame. Assim como Maluf fez em 1996, Aécio também sacou de sua lista de secretários um nome para ser o candidato da continuidade. O empresário Márcio Lacerda foi secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais.

Assim como Pitta, Lacerda carrega o perfil do homem que ''venceu na vida''. Tanto que hoje, com um patrimônio declarado de R$ 55 milhões, é o candidato mais rico a disputar a prefeitura de uma capital. Depois dele, vem Maluf com um patrimônio de R$ 39 milhões.

Curiosamente, Lacerda, assim como Maluf, começou a fazer fortuna durante o regime militar. O mesmo regime que Lacerda diz ter combatido. Aliás, esta é justamente a bandeira que Lacerda tem erguido para se apresentar ao eleitorado mais resistente à influência dos padrinhos políticos. Enquanto Pitta brandia a condição de ser um candidato negro para conquistar o voto dos eleitores mais progressistas, Lacerda acena com seu passado de militante de esquerda.

Mas mesmo esta trajetória tem sido questionada. Matéria recente da Folha de S. Paulo diz que ''a vida empresarial de Lacerda é marcada pelo regime militar (1964-1985): inicialmente uma vítima da ditadura, depois passou a receber ajuda dos militares e, em 1973, se tornou empresário do ramo de telecomunicações com a colaboração de oficiais ligados ao Exército''.

Questionamentos surgem também em relação ao comportamento ético de Lacerda. Uma das denúncias dá conta de que o patrimônio de Márcio Lacerda aumentou, e muito, quando era dono das empresas de telecomunicações Batik e Construtel, nos anos 80 e 90.

Lacerda tinha como importante contato o diretor da Telemig na época, Roberto Lamoglia. Em 1998, a Construtel chegou a faturar 255 milhões de dólares! Após a privatização das companhias telefônicas, ambas Construtel e Batik sofreram queda vertiginosa no faturamento. A Batik foi vendida e a Construtel desativada. O site “novojornal” apresentou documentos que comprovavam o superfaturamento de Lacerda no fornecimento de serviços por parte de suas empresas às estatais Telemig e Telebrás. O ''lucro'' era dividido com Roberto Lamoglia, diretor das estatais.

Em 2005, quando era secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, ele apareceu na célebre lista do publicitário Marcos Valério, de sacadores de dinheiro do ''mensalão'', e teve de se demitir por isso.

A imprensa mineira tem praticamente ignorado as denúncias e o passado de Lacerda. Apresenta-o apenas como um empresário bem sucedido, o afilhado político de Aécio e Pimentel e o novo ''fenômeno'' da política mineira. Também dão como certa sua vitória no primeiro turno das eleições. Resta saber se, neste caso, a ''profecia'' de Marx sobre a repetição da história irá se concretizar.

Por via das dúvidas, os eleitores de Belo Horizonte têm nas mãos, literalmente, o poder do voto e, portanto, o poder de impedir que Belo Horizonte passe por uma experiência tão danosa quanto a que São Paulo experimentou com a eleição de Celso Pitta.