Encaminhando importante documento, ainda em meio a férias forçadas.


É com perplexidade e pesar que compartilho com vocês o episódio ocorrido ontem por volta das 21h, no galpão ocupado há 10 anos pela organização não-governamental Circo de Todo Mundo, sediado na Rua Santo Agostinho, 1441 – Bairro Instituto Agronômico, em Belo Horizonte.

Ontem, dia 27 de Outubro, o vigia da instituição foi rendido por policiais militares que chegaram ao local na calada da noite, juntamente com representantes do Governo do Estado e a Copasa (sem nenhum comunicado prévio), munidos de documentos e tratores que autorizavam a destruição do espaço físico utilizado há 10 anos pela ONG Circo de Todo Mundo em Belo Horizonte. Esta organização atua há 18 anos na capital mineira, atendendo centenas de crianças com trajetória de moradia na rua, vítimas do trabalho infantil e de abusos de toda a ordem, crianças encaminhadas por Conselhos Tutelares, cumprindo medidas sócio-educativas, da comunidade local, etc...

A ONG Circo de Todo Mundo é reconhecida no cenário nacional e internacional pela seriedade e compromisso com a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Seus fundadores participaram da implementação de políticas públicas destinadas à fiscalização e defesa dos direitos das crianças e adolescentes e influíram ativamente na constituição dos Conselhos Municipal e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado de Minas Gerais. A instituição tem assento no Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e recebeu em 2007 o Prêmio CEPAL pelas ações que desenvolveu na capital mineira de erradicação do trabalho infantil doméstico e proteção ao trabalho adolescente. Em 2003, foi agraciada com o Prêmio Itaú-Unicef e o Prêmio Direitos Humanos, concedido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

O desfecho trágico da noite de ontem, foi ainda pior no dia de hoje, quando crianças, adolescentes e jovens chegaram para brincar, encontrar com seus amigos, se alimentar, pesquisar, estudar, etc... no turno da manhã. Ao invés da acolhida habitual, encontraram um circo murado e um belo painel estendido pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com imagens computadorizadas, que exibiam o que será o próximo Centro da Juventude (projeto Plug In) de Belo Horizonte. As crianças, jovens monitores e familiares não retornaram às suas casas. Junto com funcionários da organização, se sentaram na rua e resistiram, exigindo das autoridades públicas uma explicação.

Porém, o comunicado distribuído pelo Governo do Estado no local era dirigido APENAS à imprensa. O comunicado informava que desde Abril de 2008, a organização Circo de Todo Mundo havia sido informada sobre os novos planos do governo para o local e que devido a divergência do público alvo não foi possível estabelecer uma negociação. O Governo do Estado alega que como a ONG Circo de Todo Mundo atende crianças a partir de 06 anos, suas atividades não poderiam ter continuidade naquele espaço que seria agora destinado a atender à juventude.

Ora, todos nós sabemos o quanto é árdua a tarefa de conseguir um espaço físico para desenvolver um trabalho com crianças social e economicamente marginalizadas. Os primeiros anos de história dessa organização em Belo Horizonte registram bem os obstáculos já enfrentados. Sugiro a leitura do livro "Uma História de Magia e Cidadania", lançado no ano 2000 pelo Circo de Todo Mundo (disponível nas livrarias), onde o registro das constantes mudanças de espaço feitas pela instituição estão bem retratados.

Compreendemos que é sim de direito do governo, ter de volta o terreno que é de sua propriedade. E é por isso que as lideranças da ONG Circo de Todo Mundo estão em constante diálogo com a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais buscando alternativas, já que como instituição sem fins lucrativos ela não conta com recursos próprios para alugar um outro espaço assim "da noite para o dia". Porém, o diálogo foi interrompido ontem à noite, de forma brutal, quando a organização foi desalojada.

Apenas 03 pessoas conseguiram entrar dentro do galpão (Maria Eneide Teixeira, Vera Anastácio e Osvaldo) enquanto o trator destruia parte do galpão e funcionários do Governo encaixotavam parte do patrimônio físico da ONG. O fotógrafo Carlos França (que trabalha como free-lancer para o Circo de Todo Mundo) conseguiu registrar imagens do que estava ocorrendo na parte externa, mas foi impedido pelos policiais militares de entrar no local e filmar toda a destruição dentro do galpão.

O que fica para nós – sociedade civil comprometida com a defesa dos direitos de crianças e adolescentes de nosso País – são as questões:

Qual é a política do governo do Estado para as crianças e adolescentes de Minas Gerais?

Porque o diálogo com a ONG foi interrompido de uma forma tão brutal??

Porque o despejo foi realizado na calada da noite, sem aviso prévio??? Será que o Brasil vive mesmo uma democracia??

Que exemplo as autoridades públicas do Estado de Minas Gerais estão dando às nossas crianças com atitudes como esta???

Que projeto de Nação é este que não tem como diretriz a prioridade ABSOLUTA à proteção integral dos direitos da população infanto-juvenil? ?

Sugiro a vocês a leitura do boletim da rede GIFE distribuído exatamente na noite de ontem, que tem o seguinte título "CRIANÇA AINDA NÃO É PRIORIDADE".

O segundo parágrafo do texto de Rodrigo Zavala diz: "Disposta na Constituição Federal Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e em uma série de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, a prioridade na defesa do público é LETRA MORTA sob o prisma das políticas públicas em favor da infância." http://www.gife.org.br/

A ONG Circo de Todo Mundo sempre orientou sua prática pelos princípios dispostos nestas legislações, principalmente, naquele que se refere ao artigo 7, da Declaração Universal dos Direitos da Criança da ONU, que afirma: "...TODA CRIANÇA TERÁ DIREITO A BRINCAR E DIVERTIR-SE, CABENDO À SOCIEDADE E ÀS AUTORIDADES PÚBLICAS GARANTIR A ELA O EXERCÍCIO PLENO DESSE DIREITO".

Na apresentação da publicação "Em Busca da Infância Perdida – a experiência do projeto de Erradicação do trabalho infantil e proteção do adolescente no trabalho doméstico em Belo Horizonte 2002-2003", do Circo de todo Mundo e da Organização Internacional do Trabalho, através do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC), de 2004, a fundadora e coordenadora- geral da instituição, Maria Eneide Teixeira, escreve:

"No cotidiano de minha vida, descobri que as crianças e adolescentes, ricos ou pobres, compartilham desejos e necessidades universais. E todos – meninos e meninas – têm o direito básico de crescer preservando a infância como etapa fundamental de suas vidas. Este é o princípio que rege a ONG Circo de Todo Mundo, desde a sua criação. Temos uma trajetória de solidariedade, de escuta e de vivência que foi indicada pelas próprias crianças com as quais nos envolvemos. Nossa história é o maior testemunho de nosso compromisso com as causas da infância brasileira". .

De vocês, caros colaboradores e leitores desse desabafo, aguardamos mensagens de apoio e repúdio à descisão anti-democrática e brutal do governo Aécio Neves, que apenas aguardou o seu candidato Márcio Lacerda assumir o posto de novo prefeito da cidade, para empreender tamanha violência não só contra a uma instituição, mas PRINCIPALMENTE, contra crianças e adolescentes desfavorecidos da nossa cidade, do nosso país.

Que sejamos ao menos solidários a elas, as crianças, que são o futuro e também o presente.

Agradeço a atenção.

Christiane Sampaio
chris.sampaio@childrensworld.org