E a MUDA se calou

Recebi, na semana passada, a seguinte notícia:


Polícia fecha rádio pirata que interferia no aeroporto de Cumbica


Uma operação da Polícia Civil de São Paulo tirou do ar nesta quinta-feira (19) uma rádio pirata que interferia no trabalho dos controladores de vôo do aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do país.

Também foi fechada nesta quinta-feira uma rádio que funcionava dentro da Unicamp. A universidade não quis comentar o fato. A Anatel informou que a fiscalização das rádios piratas é constante. O telefone para denunciar é 133.


O que me chama a atenção nessa nota é o que eu fiquei sabendo a posteriori: que a rádio funcionava há bastante tempo no campus da Unicamp, com a ciência do Reitor de lá.

Ultimamente tem acontecido uma devassa para fechar rádios "piratas". A principal alegação é a interferência na comunicação entre torres de comunicação e aviões. OK, me expliquem então:

por que existe tal interferência, sabendo-se que as rádios "piratas" operam em FM, assim como as comerciais (e as frequências utilizadas variam de cidade para cidade)?

Da série Perguntas que ninguém quer responder por todos já saberem a resposta.

Um outro jornalismo é possível

por Luis Weis, do Observatório da Imprensa


Pois é. A economia mundial vive a maior crise desde a segunda guerra, ou desde a grande depressão – ou desde sempre. E a imprensa cobriu com os mesmos cacoetes dos tempos de vacas gordas o encontro, em Belém, das organizações que os fatos dos últimos meses tornaram as únicas credenciadas a dizer: “Bem que nós avisamos!”

O Fórum Econômico de Davos continua a merecer o respeito da mídia, embora reúna os profetas falidos das virtudes da desregulamentação financeira, os culpados pela esbórnia homérica que hoje custa o emprego de milhões de pessoas e os luminares que agora não ousam prever, no que enfim estão certos, quanto vai durar e no que vai dar a desgraceira que desceu sobre o mundo.

Já o Fórum Social continua a ser tratado folcloricamente como “convescote”, “happening”, um ajuntamento de “tribos” prontas a criticar, mas incapazes de oferecer “qualquer sugestão” para o mundo tirar o pé da lama.

De um enviado especial a Belém: “Não é fácil entender o encontro […] Não se consegue extrair do fórum nenhum documento que aponte um caminho a seguir contra a crise.”

Sim, eles são muitos, diversos, com agendas para todos os gostos, nenhum consenso sobre a vida e a suas implicações que dê para resumir numa manchete, ou nenhum consenso, ponto – e, sim, eles dão palco e platéia para esse retrocesso chamado Hugo Chávez. Mas reduzir a isso a informação sobre o evento é de uma miopia que só o preconceito explica.

Ou melhor, os preconceitos, no plural. Um deles é o de abordar o novo a partir de um modelo velho – o da cobertura de congressos tradicionais, em que se fala, se disputa, se negocia, se formam facções, até a hora quando, pelo voto ou por aclamação, se tira a resolução final, se dão os trâmites por findos e os repórteres fecham as suas matérias e partem para outra.

Mas a pauta do Fórum Social para a qual a mídia não está nem aí é a do seu próprio movimento centrífugo, a mobilização e a discussão de ideias (seja qual for o seu mérito presumível) como obras abertas. O outro mundo de que os seus participantes falam pode ser, ou não, possível. Mas uma outra forma de fazer política já está em curso – nas barbas de uma imprensa pavlovianamente condicionada a esperar o que dali não sairá, por ter sido descartado, para o bem ou para o mal. Um outro jornalismo também deve ser possível.

Nessas novas articulações, até a presença de presidentes como os que estiveram em Belém pode não ser exatamente o que parece.

Por isso é que o jornalista, decerto uma raridade, interessado nos desdobramentos do Fórum, devia ler o artigo “Sem atalhos”, da ex-ministra Marina Silva, na Folha da segunda-feira, 2. Não é para concordar. É só para entender.

Entender, em primeiro lugar, a relação entre os “sociais” e a política organizada. “Provavelmente precisaremos nos livrar do peso da tradicional visão que vê os líderes como portavozes do destino”, escreve Marina. “Por mais que figuras carismáticas importem em processos de mudança, não dá mais para substituir – e nem é desejável fazê-lo – o papel de cada ser humano, sob pena da mesmice política, da terceirização de sonhos e de transformar cidadãos em meros seguidores.”

Entender, em consequência, o que pode haver de original, criativo – notícia, portanto – no modo como o Fórum pretende motivar, arregimentar e agir. Da ex-ministra:

”Numa sociedade movida a informação, formação de redes e espaços antes impensáveis de militância, a perspectiva do século 21 em plena crise, só pode ser a da interação real, de escuta, de convergência de múltiplas competências e percepções. E de novas referências para a busca de soluções menos verticalizadas e estanques […].”

Quando, guardadas as proporções e as diferenças, a infantaria do candidato Barack Obama foi por aí, a mídia se encheu de ohs! e ahs! Quando o Fórum entende que esse é o caminho, os jornais nem sequer se dão ao trabalho de checar se está andando como acha que deve.

Talvez ainda não, a julgar pelo conselho que lhe dá o decano da sociologia francesa, Alain Touraine, entrevistado por Laura Greenhalgh e Ivan Marsiglia para o caderno dominical Aliás, do Estado – o melhor produto singular da imprensa diária brasileira.

“Ajeitem seus canais de expressão se quiserem ter influência política”, é a mensagem de Touraine. Para o sociólogo, “os temas introduzidos pelos ‘altermundialistas’ no Fórum Social são, de fato, essenciais na tomada de consciência sobre os riscos que o mundo corre” – o que nenhum repórter, comentarista ou redator de editoriais desdenhosos sobre o acontecimento teve a lisura de pelo admitir que possa ser verdadeiro.

“Mas essa gente”, ressalva Touraine, “tem grande dificuldade de organizar suas ações, por uma razão elementar: o adversário contra o qual lutam são as grandes empresas multinacionais, que estão fora de seu alcance.”

Na Folha, outro sociólogo, o brasileiro Michael Löwy, radicado há 40 anos na França, também defende os altermundistas. Para ele, “está muito clara a vitalidade extraordinária do processo do Fórum, sua capacidade de se reinventar e avançar em idéias e propostas. Quem está em crise agora é o outro fórum, o de Davos.”

Já se disse, quem sabe injustamente, que entrevista é jornalismo preguiçoso. Mas a dura sentença se aplica ao caso. Isso (e muito mais) que os sociólogos dizem – “essa gente tem grande dificuldade de organizar suas ações”; “está muito clara a sua capacidade de se reinventar” – tinha de ser levado ao leitor no formato jornalístico por excelência: a reportagem.

Só depois de garimpar os fatos e sentir o clima em Belém é que a imprensa poderia dizer com um mínimo de objetividade se “não é fácil” mesmo “entender o encontro”.

Por que os blogs de jornalistas não funcionam

(Gostei da ironia.)

Julio Daio Borges, editor do Digestivo Cultural

De repente, a imprensa toda descobriu os blogs... Baixaram um decreto-lei em cada redação e, impreterivelmente até o final do ano, todo jornalista tem de colocar seu blog no ar. Todo. "Mas, pera lá, eu vou blogar sobre o quê?" "Ah, sei lá, não importa: blogue! Inscreva-se no Orkut, visite os fotologs, abra uma conta no Gmail, compre até um iPod se for necessário... mas blogue!" "Como assim 'blogue'? Eu preciso saber por quê..." "Ora, porque toda a concorrência está blogando – que-nem-lou-ca! Ah, sei lá, por quê... Blogue!".

E lá foram os jornalistas blogar... Mas jornalista que é jornalista não entende nada de internet, tem preguiça: fugiu dela enquanto pôde, torceu para que a Bolha mandasse a tal "nova economia" pro espaço... Mas, mesmo com a Bolha que enterrou a euforia das pontocom em 2000, a imprensa jamais recuperou seu antigo posto... Outra bolha se formou e os jornalistas têm agora de, inescapavelmente, blogar!

Mas não sejamos injustos. Alguns jornalistas entenderam pra que serve o blog, isso se já não internetavam antes... Então esta crítica não vale para todos, absolutamente todos: vale para uma grande maioria que está blogando por obrigação, quase se arrastando, já que passou os últimos anos menosprezando a internet e, agora – muito a contragosto –, tem de fazer parte... (Depois não entende por que seu blog não funciona...)

Jornalistas não lêem blogs. Se os jornalistas lessem mais a internet, estariam muito mais bem informados e teriam começado a blogar, por contra própria, antes. Um dos "marcos zero" para o nascimento (ou para a expansão) dos blogs remonta ao Blogger, uma ferramenta que facilitou a vida de quem não queria registrar domínio, mexer com HTML, upload, essas coisas... Isso foi em 2001.

Portanto, há mais de cinco anos, o mundo está blogando. Você não vai guardar a quantidade de blogs que existem agora, mas vale repetir o que a BBC (como medida) consagrou: nasce um blog novo a cada segundo. Por incrível que pareça, os jornalistas brasileiros não atinaram para essa informação: preferiram esperar vir "uma ordem de cima" para – aí, sim – começar a blogar. E estão blogando, claro, meio sem direção...

Blog não é notinha de coluna social, sobre a última fofoca (sobre o último "furo", então, nem pensar...). Blog também não é o que você comeu ontem (blog gastronômico); nem se está frio ou se está calor (blog meteorológico); nem, muito menos, clipping do que você andou lendo em papel! Seus velhos hábitos de jornalista não valem pro blog. Jogue todos fora, se quiser começar a blogar. Bem-vindo à blogosfera... mas, antes de emitir uma opinião, olhe em volta, pense bastante – fale só se for acrescentar alguma coisa à conversação.

Jornalistas não sabem lincar. Os jornalistas passaram a vida inteira escutando que não podem – em hipótese alguma – citar a concorrência. Se a concorrência "der" antes, azar – "vá lá e dê de novo (como se fosse você o primeiro a dar). E jamais confesse isso em público." Se a concorrência tiver mais razão, "cozinhe" a notícia e dê de novo ("como se a notícia fosse sua"). Admitir um erro é a suprema humilhação. "A concorrência, oficialmente, não existe para nós." (Estenda esse raciocínio, também, a seus colegas de trabalho... Todos.)

Acontece que a internet é o contrário disso tudo. O link é a moeda de troca da internet. Tanto para quem "linca" quanto para quem "é lincado". Link não é nota de rodapé; link não é referência bibliográfica; link não é, muito menos, auto-referência (embora, às vezes, aconteça...). Link é link. E existe toda uma arte em lincar... Os jornalistas não aprenderam ainda; porque eles nunca aprenderam a citar!

Então você acessa um blog de um jornalista-blogueiro, desses de agora, e vê lá que ele fala tudo por alto, fingindo que está dando em primeira mão – mas tá na cara que ele tirou tudo aquilo de algum outro lugar... E quando vai lincar, não se dá nem ao trabalho de marcar a palavra, expressão ou frase (a que o tal link se refere): copia e cola aquele endereço que é uma centopéia (e o link, pra variar, não funciona!).

Jornalistas não estão acostumados a ter leitores "Leitores; vocês existem? Pensei que fossem, todos os dias, inventados pelos estagiários da redação... – como a seção 'horóscopo'!" Nenhuma publicação no Brasil, até hoje, viveu exclusivamente de seus leitores. Então os jornalistas até perguntam o que você – leitor – acha; mas, no fim das contas, é a consultoria quem manda; ou o modelo (estrangeiro) de negócio (que alguém da diretoria decidiu copiar...); ou é a "pesquisa" (que ninguém sabe se foi respondida por pessoas de verdade ou se foi inventada pelo pessoal do marketing...).

O grande problema para os jornalistas é que, na internet, os leitores estão presentes em carne e osso. "Quem colocou eles lá? Eles estão atrapalhando! Sai, sai..." Mandam e-mail, "enchem o saco" nos comentários ("tem de monitorar toda hora...") – "quando não inventam blogs inteiros (ou comunidades do tipo 'eu odeio...') só pra sacanear..." Para os jornalistas, os internautas são uma pedra no sapato. Ainda mais agora, que alguém disse, lá nos Estados Unidos, que "blogs são conversações"!

Mesmo com a internet a manivela (de antes), era mais fácil. Se um e-mail não agradava, bastava apagar. Fingir que não chegou... Quem iria provar? Carta, então... nem precisava abrir; bastava rasgar e jogar fora. Se o chato incomodasse muito, era só inventar, em cinco minutos, uma metáfora qualquer para humilhar o leitor em público – e ele saía de circulação. "Agora é uma desgraça: tem 'leitor' publicando em tudo quanto é canto! Onde é que nós vamos parar?"

Jornalistas não estão acostumados a ter resposta. A dependência jornalística dos governos no Brasil é histórica (e até folclórica). Quantos governos não montaram seu próprio jornal apenas para apoiar seus atos? Quantas revistas, até hoje, não foram criadas pela oposição (que era governo antes e que perdeu seu pedaço do bolo)? Então, nenhuma opinião, jornalisticamente falando, é 100% firme no Brasil – jornalista que é jornalista, dança conforme a música. As bravatas, quando as há, estão sempre a serviço de alguém (de algum lado ou de algum grupo). Como se ordenasse a um matador desses de aluguel, o editor aponta uma pessoa na rua e resume: "Nesta semana, vamos meter o pau naquele lá – senta aí e manda brasa!"

Como é a bravata pela bravata, quase nunca é contestada. Até porque, na comunidade jornalística, todo mundo sabe que é infundada... E quando o é, o contestador apela para a honra, desqualifica a moral do adversário – mas nunca responde nada. E fica cada um pro seu lado, xingando a mãe do outro – até cansar (os leitores geralmente cansam antes). Nunca foi discussão séria, de verdade. De vez em quando, algum presidente se mata (ou "é matado") – mas, aí, não é por causa de nenhum jornalista ou jornal...

Os jornalistas, então, caem na internet e ficam horrorizados... Como alguém tem o desplante de contestá-los? E com fatos! Onde é que já se viu isso? Golpe baixo! Morrem de raiva mas não conseguem, eles próprios, contestar. "Travam" naquele mandamento que, justamente, os impede de citar os outros (e de lincar). Por isso, os blogs dos jornalistas são aquele negócio moroso, morno, morto, sem links... (Quando os jornais de papel acabarem e a dependência governamental não fizer mais sentido, aí, talvez, os blogs dos jornalistas vão melhorar...)

Jornalistas são interesseiros e, não, desprendidos A internet começou por questões estratégicas, de geopolítica, e evoluiu, junto com os computadores, por questões militares, de guerra. Mas quem inventou a World Wide Web foi um acadêmico, Tim Berners-Lee, interessado em organizar os documentos das universidades interconectadas, e em facilitar o acesso a eles – por meio de links (!). E quem alimentou a WWW, depois que ela foi aberta ao público, foram as empresas, claro, mas também as instituições – e as pessoas!

Os jornalistas relutaram muito em aceitar, alguns vão morrer não aceitando, mas o fato é que poucos, pouquíssimos, entenderam a noção de "desprendimento" que permeia as relações na World Wide Web. Então, de início, acharam que a internet tinha "alguma coisa" contra eles – que "esses blogueiros", da WWW, vieram para tomar o emprego (e os leitores) deles. Ocorre que os blogueiros da internet, por agir individualmente, não podem ter nenhum "interesse" organizado... (E, ainda por cima, tendo como "alvo" os jornalistas e seus preconceitos de classe...!)
Enfim, os blogs dos jornalistas não funcionam também porque o blog por dinheiro, e só por dinheiro, é uma contradição em termos. Como o blog político o é, se for mero instrumento de assessoria de imprensa (e se não houver, por parte do blogueiro, nenhuma paixão que o mova). Os jornalistas brasileiros passaram muitos anos amarrados, manietados, obedecendo a ordens e replicando as opiniões de seu empregador – é natural, portanto, que se movimentem desajeitadamente num ambiente onde a liberdade de expressão nunca foi tamanha... O pior é que a internet, generosa como sempre, vai absorvê-los no final.