A Fundação Municipal de Cultura anunciou, recentemente, sua decisão de não mais realizar o Prêmio Literário Cidade de Belo Horizonte, o mais antigo do gênero no Brasil. O anúncio só ocorreu depois que alguns intelectuais de Minas pressionaram o órgão para ter uma posição sobre o assunto. Houve também a informação de que a decisão fora tomada depois de consulta a uns poucos notáveis, que haviam opinado sua discordância quanto ao formato da premiação. Na decisão, na forma como se chegou até ela e no descaso com a informação ao público, temos exemplos incômodos de como a atual administração de BH vem tratando as questões da cultura.


A primeira coisa que salta aos olhos é: foi estabelecida uma política do “não”. Os órgãos culturais do município parecem saber exatamente o que não pretendem fazer. O problema é que nunca propõem algo para substituir o que cancelam, suspendem, adiam. O prêmio Cidade de Belo Horizonte não é o primeiro exemplo disso. Soubemos, nos últimos três anos, que a prefeitura não queria eventos culturais na Praça da Estação, não queria o FIT em 2010, não quer as tribos do hip-hop debaixo do Viaduto de Santa Tereza. O não, às vezes, é expresso não em palavras, mas nas omissões: são os recursos que deveriam constar no orçamento do município, mas não são incluídos nele, e sua ausência que resulta no sucateamento dos centros culturais regionais, ou no adiamento eterno da reforma do Teatro Francisco Nunes.

Quer dizer, então, que a prefeitura e a fundação não agem? Agem. Mas só quando pressionadas. Foi assim há poucos dias, com o decreto que declarou de utilidade pública para fins de desapropriação o imóvel do antigo Cine Santa Efigênia, onde funcionava o Lapa Multshow. A perda do prédio estava anunciada há meses. A prefeitura preferiu fingir que não era com ela. Só com pressão violenta da comunidade, principalmente dos agentes culturais, decidiu agir, talvez tarde demais, pois a demolição interna do edifício já fora iniciada. Outros exemplos recentes dessa posição reativa foram a implantação do Conselho Municipal de Cultura, arrancada a fórceps por pressão das entidades nos gabinetes e de manifestação nas ruas, e a realização do FIT 2010, que a fundação desejava cancelar. É como se o poder público só tivesse agenda negativa, a agenda positiva surgindo apenas do desgaste político.

A verdade é que a política cultural que vem sendo conduzida pela administração municipal parece temer as ruas. Quando não tem certeza se deve abolir algum programa, convoca notáveis e toma as decisões em gabinete. Foi assim com o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, como se a questão fosse relevante apenas para algumas pessoas, e não para toda a classe dos trabalhadores na cultura ou toda a comunidade. No FIT 2010, o argumento foi o mesmo: assessores da fundação para o evento haviam recomendado seu adiamento para 2011, e com essa recomendação, pelo visto, não seria necessário conversar com a sempre turbulenta categoria teatral. Deu no que deu: manifestação popular na frente da entidade, a realização do festival na marra, contra a vontade da autoridade que tinha a obrigação de promovê-lo.

O pior de tudo é que se tenta acobertar todas essas péssimas formas de gerenciamento de órgãos públicos com o silêncio. Se dependesse da Fundação Municipal de Cultura, o cancelamento do Prêmio Cidade de Belo Horizonte ocorreria sem ninguém ficar sabendo. Simplesmente ele não existiria num ano, nem no ano seguinte, nem nunca mais. Mas os escritores atrapalharam essa estratégia de tentar minimizar, pelo silêncio, o desgaste que poderia resultar da decisão. No caso do FIT, o cancelamento foi anunciado, mas apenas como detalhe menor numa entrevista coletiva convocada para tratar de outro assunto.

É política ineficaz pela inércia e a reatividade; destruidora pela maneira como diz “não” sem propor alternativas; e elitista pelo apego à conversa de pé de ouvido e à decisão de gabinete. Navega, portanto, na contramão da modernidade da administração pública, que demanda ações transparentes, eficientes, propositivas e participativas. Por causa de tudo isso, a administração cultural de Belo Horizonte, em vez de ajudar a comunidade a construir sua versão do século 21, parece estar nos conduzindo de volta ao século 18.